Saturday, June 14, 2008

Centenário do nascimento de Vieira da Silva

A profundidade do espaço: acerca das pinturas de Vieira da Silva








Era descrita como tendo uma personalidade forte e presença discreta, Maria Helena Vieira da Silva nasceu em Lisboa a 13 de Junho de 1908. Fez ontem 100 anos e foi a pintora que mais longe chegou em termos de reconhecimento e aceitação internacionais na história da arte portuguesa. As suas paisagens urbanas eram complexas e densas, mas conseguiram seduzir todos e entrar nos melhores museus do mundo. Internacionalmente, tem obras nas colecções no MOMA de Nova Iorque, no Pompidou, no Gehtty Museum, etc.

Aos onze anos de idade começou a estudar pintura e desenho na Academia de Belas Artes de Lisboa e, motivada pela escultura, estudou Anatomia na Faculdade de Medicina de Lisboa. Mas foi aos 18 anos que se deu o ponto de viragem decisivo, apoiada pela família e com apenas 18 anos partiu para Paris onde estudou pintura com Fernande Léger, e trabalhou com Duffrene e Waroquier. Nestes anos, o seu campo de interesses era muito vasto. Pintura, escultura, gravura e os têxteis constituíam o seu horizonte.

1930 é um ano importante para a artista. Casa-se com o pintor húngaro Arpad Szenes, nome ao qual ficará para sempre associada, e faz a sua primeira exposição em Paris. E é em 1931 que participa no importante “Salons d’Automme e Surindépendents”. São desta época as importantes telas “Les Balançoices” e “Le Quai de Marseille” onde, como escreve Maria Almeida Lima, “ se começou a manifestar a autenticidade da suas qualidades artísticas.” (in Roteiro da Colecção do Centro e Arte Moderna José de Azeredo Perdigão, da Fundação Gulbenkian).

Em 1932 foi para a Academie Ranson onde foi aluna de Bissière. Uma estadia importante porque foi onde Vieira da silva descobriu, continua Maria Almeida Lima, “a repetição das perspectivas, das malhas e dos quadrados”. Em 1940 surge a pintura “L’Ateleir” que é uma das obras mais importantes, tida por muitos como perfeita.

Com a IIª Guerra Mundial foge com o marido para Lisboa, onde são fortemente hostilizados pelo governo de Salazar o que os leva a uma nova fuga para o Brasil. Estes são tempos de grandes dificuldades, financeiramente na ruína com um casamento a dar sinais de mau funcionamento. A relação com a cultura brasileira não é das mais estimulantes, à excepção dos poetas amigos do casal Cecília Meireles e Murilo Mendes que apoiam e divulgam o seu trabalho. Em 1947 regressa a Paris. Um regresso que deu início a um conjunto de trabalhos que a vão fazer mundialmente famosa. São dos anos do regresso do exílio pinturas como “La Bibliothèque” e “gare Saint-Lazare”. É neste período considerada como uma das principais figuras do Abstraccionismo Lírico da Escola de Paris.

Até meados dos 50 o trabalho de Vieira da Silva caracteriza-se pela complexidade formal, por composições densas e muito complexas, os espaços que insistentemente pinta são labirínticos e a repetição de que tanto faz uso baralha e maravilha a perspectiva do espectador. As suas formas fragmentadas, as ambiguidades espaciais e o modo como o seu trabalho ecoa a palete de cores do cubismo e da arte abstracta, fazem de Vieira da Silva umas das artistas abstractas mais importantes do pós-guerra. Tocada pelo Surrealismo, pelo expressionismo abstracto vindo dos EUA, as suas pinturas deste período assemelham-se a procuras pelo infinito no interior de uma cidade, nas suas ruas e ruelas, procura e tensão estas que encontram nas bibliotecas que pintou o ponto da maior intensidade. Há quem veja nesta sua obsessão pela cidade e ela planta irregular e irrequieta da cidade um desejo do Absoluto feito pintura.

Era assim que Vieira da Silva, como escreve José Manuel dos Santos, “pintava ateliers, cidades, pontes, bibliotecas, labirintos, gares, estelas, desastres.” Neste mesmo texto a propósito da relação entre a pintora e o poeta Mário de Cesariny, continua o texto “Para Cesariny, Vieira era a grande feiticeira que via a visão e a cegueira, o verso e o reverso, o abaixo e o em cima, o exterior e o interior, o visível e o invisível. Diotima, bruxa, mágica, pitagórica, pitonisa, iniciada, vidente, possessa, mulher-xamã, a do voo imóvel, dizia ele dela e da sua álgebra geométrica.”

A partir de 1948 o estado Francês começa a adquirir pinturas da artista e em 1956 tanto a artista como o marido obtêm a nacionalidade francesa. Em 1960 o governo Francês atribui-lhe uma primeira condecoração e em 1966 é a primeira mulher a receber o “Grand Prix National des Arts” e em 1979 torna-se cavaleira da legião de honra francesa.

Em termos artísticos a sua carreira conhece uma expansão enorme e uma internacionalização importante. Em 1961 com a sua participação na Bienal de São Paulo ganha o grande prémio para pintura da bienal. Assumindo-se como artista importante não só em termos locais, franceses ou portugueses, mas de uma importância incontornável para a pintura internacional. Prova disso é que importantes museus como o MOMA de Nova Iorque, o Gehtty Museum, o Centro Pompidou, a Tate Gallery, etc., compraram importantes obras da artista e destacam-na como uma figura maior da pintura internacional.

Para a actual directora da Fundação Vieira da Silva, Marina Bairrão Ruivo, a artista tem um “percurso solitário e único, mas solidário com o clima artístico do seu tempo, não ignorando as tendências que a rodeavam.” Aspectos estes que Adolfo Casais Monteiro muitos anos antes, num texto muito célebre sobre a pintora, tinha percebido: “Vieira da Silva (como ela assina, talvez por sentir que não se trata de “pintura feminina” como se poderia dizer acerca de Marie Laurencin), independente de escolas, embora sempre atenta a todas as tendências, pode e deve hoje ser considerada como o pintor português de vanguarda, senhor de uma personalidade mais evoluída”… Temos tal falta de cultura plástica, que na maior parte dos portugueses que “gostam” de pintura, os quadros de vieira da Silva só produziriam uma impressão de pasmo, nos modestos, e de indignação, nos vaidosos…”

Em Portugal é através da Gulbenkian que Vieira da Silva vê reconhecido o seu trabalho em exposições em 1970, 11977 e, finalmente, em 1988. Ano este em que é a artista convidada para intervir na estação de metro da Cidade Universitária. E em colaboração com o pintor Manuel Cargaleiro, Vieira da Silva reproduz a sua obra de 1940 “Le Métro”. É na cidade de que escolheu ser cidadã que Vieira da Silva morre a 6 de Março de 1992. Dois anos depois é inaugurado em Lisboa a o Museu/Fundação Árpad Szenes-Vieira da Silva correspondendo ao desejo da artista de que a sua obra fosse sempre vista em conjunto com a do seu marido. Neste mesmo ano é lançado o Catálogo Raisonné da sua obra e em 2005 a popular editora Taschen edita uma monografia sobre a pintora com o título “Vieira da Silva 1908-1992: The quest for unkown sapce” (literalmente Vieira da Silva 1908-1992: a procura do espaço descohecido).

A sua obra é de inegável importância e relevância para a arte portuguesa. Mesmo não se gostando, não se pode deixar de atribuir a Vieira da Silva um lugar cimeiro na história da arte portuguesa. Porque, como tão bem descreve João Pinharanda, “A pintura de Vieira caminha para o despovoamento e imaterialização, onde a tessitura minuciosa que une a imagem é a mesma que a fragmenta em miríades de átomos, onde a cor perde a espessura dos corpos de que se desprende para ganhar a leveza da luz para que ascende.” Uma apresentação que não deixa outra alternativa senão admirar as telas da artista.


Todas as citações são retiradas do "Correspondências. Vieira da Silva por Mário Cesariny", ed. Fundação Arpád Szenes - Vieira da Silva e Assírio & Alvim


*texto publicado no DN

Monday, June 9, 2008

Susana Mendes Silva no Appleton Square




Desordem no espaço da galeria


Square Disorder (à letra, desordem no quadrado) é uma metáfora muito oportuna para falar dos condicionamentos sucessivos a que está sujeita a experiência humana da arte. Para Susana Mendes Silva tratou-se de criar um mecanismo que invertesse a passividade habitual do típico visitante de museu e galeria, mas também desafiar a habitual lógica de construção do espaço expositivo.

Mostrar o carácter problemático do espaço expositivo é o resultado mais imediato desta “instalação” de Susana Mendes Silva. Uma espécie de desafio à corrente ideologia do “cubo branco” como lugar perfeito, porque neutro e ausente, para a experiência da arte.

Na desordem que a artista criou finos fios, a lembrar cabelos, criam uma trama invisível e subtil por cima da nossa cabeça. Nesse tear imaginário criam-se quadrados dos quais descem, até tocar o corpo do visitante, outros fios. Estes são uma espécie de rastos que obrigam a elevar o olhar e, dada a sua quase imaterialidade e invisibilidade, a procurar com a mão uma identificação daquilo que sente, mas que quase não se vê. Ao movimento incessante do corpo corresponde a actividade da atenção em encontrar um sentido para o que acontece.

Poder-se-ia quase falar de um inteligente regresso a uma certa arte que pensa as condições de percepção do mundo e dos objectos que nele há, incluindo o corpo humano. Nesta “desordem quadrada” é sublinhado o aspecto perceptivo da relação entre o olhar e o tacto ou, melhor, a necessidade humana em ver (que facilmente pode ser traduzido em necessidade de atribuir uma imagem a toda a percepção) a matéria dos outros sentidos, como se o olhar fosse o lugar de síntese e encontro dos dados de todos os sentidos: é este o sentido da afirmação de Aristóteles que de todos os sentidos o homem prefere a visão.

A performatividade desta “obra” é evidente e a gestualidade que consegue criar — suave, cuidada, lenta — lembra aqueles que maravilhados brincam com o inefável, o imaterial, o espectral. O espanto é que, subitamente, se encontrem corpos a realizar acções que, habitualmente, não fariam: muda a intensidade, o tom, a forma e o que se encontra são gestos precisos — quer-se encontrar o fio que nos enlaça — e cuidadosos — não se quer destruir a obra.

Mas há um outro ponto de ancoragem desta exposição o qual pode ser visto como o assumir em sentido literal o dito: “a arte toca-nos”. Nesta exposição só mesmo através desse contacto imediato é que nasce a possibilidade da experiência estética e o objecto material que constituí o corpo presente da obra de arte.




Square Disorder
Susana Mendes Silva
Appleton Square, Rua Acácio Paiva, nº 27, R/c, Lisboa
Horário: de ter. A sáb. Das 14h às 19h
Até 13 de Junho

*texto publicado no DN