Friday, April 25, 2008

Conversa: Vasco Araújo


A DIMENSÃO CERTA PARA OS SENTIMENTOS HUMANOS



Vasco Araújo (n. Lisboa, 1975) foi o único português a ser seleccionado para a terceira edição de um muito importante prémio internacional: o Ars Mundi 2008. Numa edição em que o prémio foi entregue ao artista indiano N S Harsha, o artista expôs ao lado de artistas importante a um nível global: como a brasileira Rosângela Rennó, o romeno Mircea Cantor, a afegã Lida Abdul, entre outros. Mas nos prémios a este nível — e este com um valor de 40mil libras (cerca de 52mil euros) é um dos mais mundialmente mais atraentes — a participação já é um reconhecimento importante do lugar importante que os artistas seleccionados ocupam na “cena” da arte mundial.

Araújo estudou escultura na Faculdade de Belas Artes da Universidade de Lisboa e o seu trabalho caracteriza-se pela utilização abundante de fotografia, vídeo, textos, etc., elementos estes que são sempre meticulosamente colocados resultando em verdadeiras encenações.

Nesta estratégia de encenação, a ópera é um recurso constante deste artista também é cantor: “Não sou cantor lírico profissional, mas continuo a estudar música. Optei pelo trabalho em arte, mas incorporei o elemento operático. A ópera é obrigatória no meu trabalho porque faz parte da minha vida: estou sempre a ouvir ópera, a cantar, a pensar nos modelos que a ópera nos dá.” A razão, conclui o artista em entrevista ao DN, é que “a voz, numa ópera, traz-me uma emoção muito mais completa. O modo como eu uso o vídeo no meu próprio trabalho tem em si uma certa ideia da obra de arte total, porque incorporo todas as linguagens numa só: a música, a imagem, o texto. ”

Nessa ideia wagneriana da ópera como obra de arte total, Vasco Araújo encontra uma maior presença e concentração das emoções humanas. E é para estas que o artista quer no seu trabalho encontrar a dimensão certa.

O recurso que faz a personagens da tradição clássica da literatura e do teatro insere-se nesta lógica da descoberta dos elementos que com maior eficácia “permitam dar uma forma às inquietações.” As narrativas que escolhe são quase sempre trágicas porque é uma convicção do artista que “é na dor, no desespero, que o ser humano se revela.”

Interessa-lhe “pensar naquilo que nós somos, no que fizemos e não fizemos, as nossas dores internas que nunca são muito faladas ou exteriorizadas.” Uma consciência que Araújo depois transporta para a própria natureza da arte através de trabalhos que lidam com “a falha na obra de arte, que é também uma falha do próprio público que só à distância se consegue relacionar com as emoções que certos trabalhos propõem.” Isto a que o artista chama falha expressa-se principalmente no “desajustamento entre aquilo que os artistas entendem e aquilo que as pessoas vêem.” E é nesta espécie de desencontro que reside a “dificuldade entre a arte do nosso tempo e o público de agora.”

Vasco Araújo é um dos artistas mais bem sucedidos da sua geração: participou nas importantes Bienais de Veneza e Sidney, já fez exposições individuais em museus importantes na Europa e nos EUA, e foi escolhido pelo crítico americano Robert Storr (um dos nomes mais importantes da crítica mundial) como um dos artistas revelação do ano de 2006.

Mas para o artista o facto de ser um artista bem sucedido “só me obriga a trabalhar mais. Mas tem de se ter sabedoria de dizer não a muitas coisas, não se pode aceitar todos os convites porque não se consegue tudo bem e um artista sem tempo vai inevitavelmente fazer mau trabalho. Um artista tem que guardar o seu tempo, para evitar nas repetições mecânicas que depois criam maus trabalhos.”

No panorama actual em que “está tudo muito preocupado em saber como é que constrói uma carreira porque o mercado é muito activo, os museus muito mais abertos e acessíveis, está tudo muito organizado com livros, currículos, com jantares e festas”, Araújo adverte que “não é isso que constrói a carreira: só o trabalho é que pode fazer a carreira de um artista e o trabalho faz-se a trabalhar todos os dias numa espécie de obsessão pelo próprio trabalho.”

Para este artista que tem no sofrimento só “a evolução nos pode consolar. Porque nada consola ninguém, só há momentos de consolação: comer, fazer sexo, beijar, fazer compras, ir à ópera, etc. Mas são só momentos em que a dor parece anular-se, para voltamos logo a tropeçar na dor anterior. O que nos pode consolar é percebermos que passado algum tempo a dor nos fez andar, e ficamos contentes com esta consciência.”

Quanto à experiência da arte “ela pode completamente consolar-nos da dor de estarmos vivos: é uma experiência revigorante. Para mim a arte serve-me para libertar uma espécie de energia que está acumulada, é como o orgasmo na relação sexual. Não é a beleza que nos consola, mas sim esta libertação.”



este texto foi publicado no DN

Wednesday, April 23, 2008

vocações

a filosofia é a vocação do pensamento e
a poesia a vocação da linguagem

Monday, April 14, 2008

De quem estás a falar?

Mesmo que deus tivesse olhado dentro das nossas almas, não teria sido capaz de ver de quem é que estávamos a falar
wittgenstein

Sunday, April 13, 2008

Atmosfera

Que tudo tem uma atmosfera à sua volta significa, é igual a:
uma boca que sorri, só sorri no rosto de uma pessoa.


Saturday, April 12, 2008

a propósito da alma

Quando se vê o comportamento de um ser vivo, vê-se a sua alma.
Wittgenstein

Julião Sarmento: abstracto ou figurativo?






O conceito "Sarmento puro" (pinturas com fundos brancos, sobre as quais silhuetas de mulheres são esboçadas, e onde a relação com a pulsão erótica é uma constante) sofre com estes novos trabalhos uma redefinição. A linguagem formal do artista sofre um alargamento de âmbito e a relação entre figuração e abstracção é abalada. Aqueles que olham para a pintura, e que habitualmente conhecem a tipografia acidentada das telas, sabem que esta distinção não revela algo acerca da natureza do acto do pintor, mas sim acerca do modo como o olhar humano "lê" as inscrições sobre a tela. Para os pintores, a pintura é sempre e só pintura, e nunca abstracta ou fugurativa, isto ou aquilo. Por isso é que Sarmento é veemente ao afirmar que mesmo que não se reconheçam imediatamente figuras elas, de algum modo, estão lá. Exige-se é um esforço suplementar para o reconhecimento da imagem.

A razão do abandono desta distinção prende-se com o facto antropológico de o olhar humano ser sempre fragmentário, parcial, abstracto. Esta é uma possível intuição do artista, face à qual o desejo pelo outro deixa cair a sua máscara sexual e torna-se em esforço de querer ver. Parecemos ouvir um múrmurio que diz: "deixa-me ver-te! deixa-me ver!" E é o nosso olhar enquanto desejo de visão que estas pinturas nos devolvem. É como se fossem um espelho, que sob a forma do desafio do reconhecimento daquilo que a pintura representa, espelham a natureza complexa do olhar humano.

Também o processo de trabalho do artista conhece uma nova formulação. As pinturas são construídas a partir de pequenos desenhos que depois foram serigrafados sobre a tela e que são acumulações das impurezas (pós, desperdícios, etc.) do atelier do artista. Um processo que é uma espécie de junção dos paradigmas da mecanização e do trabalho em série da serigrafia, com a vida secreta do atelier que deixa marcas e sinais secretos nos desenhos.

A serigrafia, trabalhada como original, transforma o espaço da tela numa zona de tensão entre aquilo que os olhos procuram e o que acontece no interior da visão. Os pontos que ocupam o espaço, as discretas manchas de cor e os textos citados são factores que excitam a imaginação a procurar referências a partir das quais se possa organizar a diversidade do campo visual.

A geometria destas construções são próximas das de uma paisagem. Mas esta é aqui um lugar interior que aquele que experimenta as obras tem de construir. Tal como os textos presentes, estas pinturas são para ser lidas, é preciso fazer sentido daquilo que o olhar percebe. A metáfora da leitura é fértil como figura para designar o esforço de visão a que o espectador é obrigado: da mesma forma que olhar para as letras impressas de um livro não implica a sua leitura, também o olhar passivo para estas pinturas não chega para a sua visão. E é na distinção entre "olhei, mas não vi" e "olhei e consegui ver" que devemos filiar o trabalho de Julião Sarmento. É na passagem de um paradigma a outro, na passagem de um estado a outro, que as pinturas encontram o seu ponto de maturação.

Se a figura feminina, e altamente sexualizada, está ausente nestes novos trabalhos, o desejo pulsional e erótico mantém-se. Expresso na formação de uma espécie de álbum das diferentes espessuras e tipos psicológicos e no desenho dos recortes topográficos de personagens que se pressupõe existir em cada pintura. O conceito de tipo é axial: cada pintura é um continente, um individuo, uma totalidade e cada uma cria um tipo de personagem diferente — ora é o psicótico, o aventureiro, aquele que deseja, aquele que foge, aquele que tem medo, aquele que procura. O espaço aberto — que funciona quase como uma fuga — é o lugar de construção por excelência: completa-se a pintura com o indíviduo que a experimenta, complementa-se o espectador no encontro com o outro representado pela pintura.

A palavra não é neste contexto um operador narrativo, mas poético. E serve ao artista como mecanismo de entrada em diferentes zonas de intensidade. É como se a linguagem tivesse o papel de condensar os sentimentos pictóricos que o outro possui e, assim, poder reconhecê-lo, vê-lo.

mais coisas em www.cristinaguerra.com

texto publicado com alterações no DN
fotos: José Manuel Costa Alves

Sunday, April 6, 2008

Antologia de Alberto Carneiro


Alberto Carneiro (n. Porto, 1937) é um artista para quem a relação primordial da arte é com a natureza. Esta é não um lugar de pura contemplação, mas o lugar de construção do próprio indivíduo e a relação com um outro diferente de mim (escultura, corpo, linguagem) pode acontecer.

Por isso a sua obra parte de uma relação originária entre o corpo e a paisagem. Os seus textos são momentos únicos não só para a compreensão do seu trabalho, para a fixação do conceito de arte e mas também para encontrar o lugar certo para o ser humano na relação que estabelece com a arte e com o mundo: “no horizonte do teu olhar és o ser desta paisagem/ em ti a vida fará deste momento a tua arte.”

Nas inúmeras notas, conferencias e entrevistas, agora reunidas neste volume editado pela Assírio & Alvim, cria-se não só uma topografia do território do artista, mas sobretudo sonda-se as suas exigências e os pontos de que parte para a construção do seu universo.

Escreve o artista: “A necessidade estética, inata e estruturante das nossas vivências essenciais está em nós como coisa vital. Todos construímos a arte como bem indispensável à nossa sobrevivência espiritual.”

texto publicado no suplemento IN do Diário de Notícias

Citação





"Não devo serrar o ramo sobre o qual estou sentado."
Wittgenstein

Ficamos com vontade de perguntar: e se a árvore estiver morta?